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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Millôr Fernandes


Coisas de Millôr

(carioca, escritor, poeta, desenhista, cartunista,
humorista, dramaturgo, tradutor...)



“Morte súbita é aquela em que a pessoa morre sem o auxílio dos médicos”

POEMAS

Metafísica do Conhecimento

O corte epistemológico –
já foi epustemológico –
sangra em tudo que é lógico.
O epistemológico sabe
que só sabe que não sabe,
pois conhecer o conhecimento
é achar que sopro é vento.

O epistemólogo diferencia
o que está do que é
e do que existe;
não é triste?
Não é fácil, no dia-a-dia,
comprar epistemologia:
não tem no supermercado
nem no banco que está a seu lado.

Poeminha prum Homenzinho a Serviço da Tecnologia

Vou te dar um conselho;
Faz tudo que eles mandam:
Desce de elevador
E abre a tua porta
Acende esse abajur
Liga a refrigeração
Bota um disco no prato
Põe música no ar
Degela a geladeira
Aquece o aquecedor
E ferve essa chaleira.
Do programa de rádio
Grava uma canção
Bate uma carta à máquina
E vê televisão.
Te pesa na balança
Opera o calculador
Senta nessa poltrona
E lê o teu jornal
Sem nem querer pensar
Bebericando uísque
Fumando sem parar.
Atende ao telefone
Se conferindo ao espelho
Mas ouve meu conselho;
Não acerta o relógio.
É muito tarde, agora;
Já passou a tua hora.

Os Canais (in) Competentes

É a mesa
(bureau)
Quem cria
A bureaucracia.
Eles dizem todo dia
É uma tirania:
Funcionários
Com seis formulários
Dez guias
Em várias vias
Atas
Em triplicatas
E registros anais
Às folhas tais
Soltam
Tostão a tostão
O gostoso poder
Que têm na mão
Sempre adiando a decisão
Pra próxima sessão
Perguntando sempre
Mais uma questão
Exigindo outra vez
Retrato 3 x 6
Firma reconhecida
Em tabelião,
Folha corrida,
Atestado de filiação
E atestado
Que ateste a atestação.
Mas aos poucos se nota
Que a burocracia
– Nada idiota! –
Cede a vez:
Algumas coisas
Andam com mais rapidez.
Já se acabaram as discussões
De leis
Processos judiciais
E discussões formais
Que não traziam auxílio
À invasão
Do domicílio.
Sem falar que já eliminamos
A necessidade
Do latim
Na faculdade.
Ninguém mais se importa
Com palavras
De uma língua morta
De que até a intelligentsia
Andava farta:
Legem habemus,
Habeas corpus,
Conditio juri e
Magna carta.

Poeminha Filantrópico

Dar, emprestar,
Avalizar:
Tudo verbo auxiliar.

Poeminha sem Nexo
          Queixa

Liderar não é nada duro;
As perguntas são todas no presente,
As respostas são todas no futuro.
Chega.
Alegria para todos!
Que se vão os maus dias...
Seja bem-vindo o bom gosto.


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

C'est la mort...

LA MORT


Eu queria poder não amar ninguém
Para não ter que me despedir
E passar pela morte das pessoas.
Eu queria pelo menos morrer hoje
Ser considerada pessoa boa
Antes que amanhã chegue a pior das notícias.
Queria celebrar a vida
Saborear momentos felizes, boas cantigas
Comemorar mais um “pôr-do-sol”
E regar flores imortais.
Não é possível nos despedirmos para sempre
E nos encontrarmos novamente
É a certeza que mais angustia
Se hoje somos felizes
E amanhã não há mais flor
Nem bom dia.
Se continuarmos por aqui
Só nos restará conversar com fotografias
Lembrar dos poetas, das manias
E esperar que chegue o nosso dia.